Título: Suicidas
Autor: Raphael Montes
Páginas 367
Editora: Companhia das Letras
Publicado em 07 de agosto de 2017
Resumo
O livro conta a história de Alessandro, que, junto de seu amigo Zak e outros sete adolescentes, decide se reunir no sótão da casa de campo dos pais de Zak — que haviam acabado de falecer — para cometerem suicídio em uma roleta-russa coletiva.
Um ano após a terrível morte dos jovens, as mães deles se reúnem com uma delegada para desvendar os mistérios por trás da macabra “brincadeira”.
O livro narra três linhas temporais diferentes:
1. **O passado de Alessandro:** como ele chegou à decisão de participar da roleta-russa.
2. **A ida à propriedade da família de Zak:** onde aconteceria o ato e onde é narrado o que ocorreu enquanto os jovens estavam presos no sótão.
3. **O presente:** as mães lendo o livro escrito por Alessandro, junto com a delegada.
A dinâmica era simples e brutal: eles colocavam uma bala no revólver, passavam a arma entre si e atiravam. Quando o tiro atingia alguém, reiniciavam a rodada até que outro morresse.
Não era um jogo. Era suicídio coletivo.
A cada rodada, descrita em capítulos, conhecemos a história dos personagens envolvidos.
Havia Noel, apaixonado por Ritinha. Ele fez até um carro de som para pedi-la em namoro na faculdade, mas ela o ignorava e o esnobava. Noel entrou no jogo apenas porque Ritinha entrou. Após a morte dela, incentivado por Zak, Noel finalmente transa com ela. Sabendo que o próximo disparo seria fatal, sua cena é uma das mais chocantes do livro.
Ritinha participa porque está grávida de Zak. Ao testemunhar o que acontece com Valéria, decide se matar antes que alguém descubra sua gravidez.
Valéria fica com Zak após uma festa e engravida. Ao cobrar a paternidade, acompanhada do pai, é humilhada. Ela os ameaça de morte.
Há também Otto, que, em um jogo de pôquer, acaba ficando com Zak. Eles se apaixonam, mas Zak não quer assumir o relacionamento. Quando Otto tenta oficializar o namoro diante dos outros, Zak o obriga a participar da roleta-russa — e Otto morre.
Tem Daniel, um rapaz com síndrome de Down, que apenas segue os amigos. Zak o vê como alguém “livrado” de um fardo por não viver dentro do padrão.
Há ainda Maria João e Lucas, irmãos. Lucas já havia tentado se matar várias vezes, e a irmã já havia o salvado antes. Mas, por algum motivo, dessa vez ela entra no jogo com ele.
No fim, descobrimos que tudo tinha sido armado por Zak e manipulado por Alessandro, para matarem os outros jovens e permitir que Alessandro fugisse e publicasse seu livro autobiográfico. A tragédia seria sua ascensão literária.
Ele e a mãe já haviam matado antes: o avô agressor e os pais de Zak, quando ameaçaram tirá-lo do testamento. Alessandro foge e publica o livro — não como Alessandro, mas como o grande escritor Raphael Montes.
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Resenha
Sempre gostei dos livros de Raphael Montes e até brincava dizendo que ele era o “Stephen King brasileiro”. Mas nada me preparou para este livro.
Fiquei profundamente chocado com a frieza e a maldade de certas cenas.
O tema do suicídio e as diversas formas de preconceito são tratados de maneira tão cruel que, em vários momentos, eu me perguntava até onde iam as atitudes dos personagens e onde começava a opinião do autor. Até onde era crítica social e até onde era válvula de escape para extravasar ideias repulsivas.
A primeira coisa que choca é a etiqueta colocada em cada personagem — e como isso vai até o fim.
A mulher é valorizada apenas pela beleza física.
A mulher que expressa desejo sexual é vista como vulgar e indigna de respeito.
A mulher gorda é tratada como feia e descartável.
O homem gay é motivo de asco. Qualquer gesto de carinho vira suspeita de interesse sexual.
Daniel, com síndrome de Down, “não merecia viver”, segundo Zak — como se sua existência fosse um peso.
Parece que o livro inteiro apresenta uma sociedade em que todos precisam caber em uma forma. Quem sai dela participa, simbolicamente, dessa roleta-russa. Estamos ali, presos naquele sótão, obrigados por Zak a girar o tambor e atirar.
Zak é o juiz perfeito, com a arma na mão. Belo. Dominador. Pronto para nos julgar. Não nos encaixamos? Podemos morrer.
Mas, no fim, não é Zak que nos julga — é Alessandro. A primeira pessoa do livro.
E então surgem as perguntas:
Será que Raphael Montes realmente pensa assim? Ou “Suicidas” funciona como um caderno de desabafos, como o de Alessandro?
Raphael é gay, calvo, fora do padrão social — e brinca, espero que apenas brincando, sobre ser o próprio Alessandro.
Será ele tão inteligente a ponto de montar esse jogo psicológico com o leitor?
Usar as transgressões dos jovens e, no auge do choque, perguntar: “E vocês? Por que continuam lendo?”
A cena mais mórbida — Noel transando com o cadáver de Ritinha, e ninguém faz nada — parece um tapa na cara do leitor. Julgamos os personagens, julgamos o autor, mas continuamos virando as páginas.
Talvez essa seja a intenção: mostrar que também temos curiosidade mórbida.
Penso que há duas possibilidades sobre o autor:
Ou ele é tão pérfido quanto os personagens,
Ou é extremamente inteligente e quis escancarar um lado sombrio da sociedade que todos fingem não existir.
Vivemos cercados de pessoas com angústias, traumas, perversões, depressões, obsessões. Tudo escondido sob um verniz de normalidade. Para alguns, os motivos dos personagens podem parecer “chulos”. Para outros, podem ser tudo — podem ser devastadores.
O livro toca em muitos pontos importantes, especialmente **a carência**.
A carência leva pessoas a dependerem de gente perigosa. A carência abre espaço para manipulações. A carência destrói.
Vemos isso na internet, no garoto de 13 anos prestes a ser manipulado por um pedófilo.
Vemos isso nas mães do livro, culpadas por não ouvirem os filhos.
Vemos isso em cada personagem, lutando para ser ouvido.
Ser ouvido é tão importante que alguém é capaz de fazer qualquer coisa por isso — até escrever um livro às custas de sangue.
O final achei confuso: não entendi até onde Zak manipulou Alessandro, se foi só a roleta-russa ou também o assassinato dos pais. Talvez Raphael tenha deixado isso em aberto porque não importa tanto. O que importa é a mensagem central: a sociedade é fria e hipócrita, e fingimos não ver.
Prefiro acreditar que o autor é muito inteligente, e que este livro é um desabafo sobre uma sociedade preconceituosa, cruel e disfarçada atrás de uma falsa perfeição.
A depressão existe.
A carência existe.
E só atenção, cuidado e escuta podem impedir tragédias assim.
Nota:4,5⭐





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